segunda-feira, 29 de março de 2010

O camisa 10 do jornalismo esportivo

Assim como Pelé é enaltecido por suas jogadas e lances incríveis como o maior jogador de futebol de toda a história, Armando Nogueira, que nos deixou hoje pela manhã após perder a batalha para um câncer, deve ser reverenciado como o maior nome da crônica esportiva nacional. Apaixonado pelo Botafogo e pelo futebol brasileiro (não este de agora protagonizado pelo time de Dunga), mas o verdadeiro futebol brasileiro que o time do Santos vem nos brindando neste início de 2010. Parece até que o time de Pelé vem homenageando o seu Armando com este espetacular futebol. O seu Botafogo poderia bem que se inspirar e tentar fazer o mesmo.

Armando Nogueira não foi só um dos maiores nomes do jornalismo esportivo brasileiro, mas foi o principal criador do modelo de telejornalismo que se faz até hoje no Brasil. Armando foi o idealizador do projeto do Jornal Nacional, que até hoje é a principal fonte de informação do povo brasileiro, tão carente de cultura e conhecminento.

Entre 1966 e 1990, Armando Nogueira comandou o departamento de jornalismo da Rede Globo, cargo hoje ocupado por Carlos Henrique Schröder. Além da criação do JN, passaram pelo crivo de Armando o surgimento de programas como o Globo Repórter, o Fantástico, o Globo Esporte e o Esporte Espetacular. Sem falar nos telejornais locais, no Jornal Hoje e no Jornal da Globo.

Criador do estilo de crônicas românticas para retratar as partidas de futebol, Armando Nogueira transformava as partidas disputadas como batalhas em pura poesia com o poder que só ele tinha de fazer das palavras verdadeiras pétalas de rosas para adoçar os olhos e os ouvidos do torcedor. O histórico programa "Grande Resenha Facit", da extinta TV Rio, perde o seu segundo integrante. Após a ida de João Saldanha, o 'João sem medo' na década de 90, agora Armando Nogueira partiu, deixando órfão seu companheiro na resenha e nas letras, Luiz Mendes (o comentarista da palavra fácil) e todo o jornalismo brasileiro.

Para homenagear Armando, o Futebol+Samba publica abaixo a crônica escrita por ele quando o Brasil foi campeão mundial sobre a Itália, em 1970:


Armando Nogueira: um pioneiro do jornalismo na TV.

"E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Tostão está morrendo asfixiado nos braços da multidão em transe? Parece um linchamento: Tostão deitado na grama, cem mãos a saqueá-lo. Levam-lhe a camisa levam-lhe os calções. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do estádio, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as chuteiras de Tostão. Só falta, agora, alguém tomar-lhe a sunga azul, derradeira peça sobre o corpo de um semi-deus.
Mas, felizmente, a cautela e o sangue-frio vencem sempre: venceram, com o Brasil, o Mundial de 70, e venceram, também, na hora em que o desvario pretendia deixar Tostão completamente nu aos olhos de cem mil espectadores e de setecentos milhões de telespectadores do mundo inteiro.
E lá se vai Tostão, correndo pelo campo afora, coberto de glórias, coberto de lágrimas, atropelado por uma pequena multidão. Essa gente, que está ali por amor, vai acabar sufocando Tostão. Se a polícia não entra em campo para protegê-lo, coitado dele. Coitado, também, de Pelé, pendurado em mil pescoços e com um sombrero imenso, nu da cintura para cima, carregado por todos os lados ao sabor da paixão coletiva.
O campo do Azteca, nesse momento, é um manicômio: mexicanos e brasileiros, com bandeiras enormes, engalfinham-se num estranho esbanjamento de alegria.
Agora, quase não posso ver o campo lá embaixo: chove papel colorido em todo o estádio. Esse estádio que foi feito para uma festa de final: sua arquitetura põe o povo dentro do campo, criando um clima de intimidade que o futebol, aqui, no Azteca, toma emprestado à corrida de touros.
Cantemos, amigos, a fiesta brava, cantemos agora, mesmo em lágrimas, os derradeiros instantes do mais bonito Mundial que meus olhos jamais sonharam ver. Pela correção dos atletas, que jogaram trinta e duas partidas, sem uma só expulsão. Pelo respeito com que cerca de trezentos profissionais de futebol se enfrentaram, músculo a músculo, coração a coração, trocando camisas, trocando consolo, trocando destinos que hão de se encontrar, novamente, em Munique 74.
Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Orgulha-me ver que o futebol, nossa vida, é o mais vibrante universo de paz que o homem é capaz de iluminar com uma bola, seu brinquedo fascinante. Trinta e duas batalhas, nenhuma baixa. Dezesseis países em luta ardente, durante vinte e um dias — ninguém morreu. Não há bandeiras de luto no mastro dos heróis do futebol.

Por isso, recebam, amanhã, os heróis do Mundial de 70 com a ternura que acolhe em casa os meninos que voltam do pátio, onde brincavam. Perdoem-me o arrebatamento que me faz sonegar-lhes a análise fria do jogo. Mas final é assim mesmo: as táticas cedem vez aos rasgos do coração. Tenho uma vida profissional cheia de finais e, em nenhuma delas, falou-se de estratégias. Final é sublimação, final é pirâmide humana atrás do gol a delirar com a cabeçada de Pelé, com o chute de Gérson e com o gesto bravo de Jairzinho, levando nas pernas a bola do terceiro gol. Final é antes do jogo, depois do jogo — nunca durante o jogo.
Que humanidade, senão a do esporte, seria capaz de construir, sobre a abstração de um gol, a cerimônia a que assisto, neste instante, querendo chorar, querendo gritar? Os campeões mundiais em volta olímpica, a beijar a tacinha, filha adotiva de todos nós, brasileiros? Ternamente, o capitão Carlos Alberto cola o corpinho dela no seu rosto fatigado: conquistou-a para sempre, conquistou-a por ti, adorável peladeiro do Aterro do Flamengo. A tacinha, agora, é tua, amiguinho, que mataste tantas aulas de junho para baixar, em espírito, no Jalisco de Guadalajara.
Sorve nela, amiguinho, a glória de Pelé, que tem a fragrância da nossa infância.
A taça de ouro é eternamente tua, amiguinho.

Até que os deuses do futebol inventem outra".
(Armando Nogueira *1923 +2010)

4 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Foi-se o grande mestre do jornalismo esportivo. Um Mito, um espelho, um artista. Ele era Deus simplesmente pela frase: "Brasil, capital Brasília. Minas Gerais, capital Atlético Mineiro"

Vai fazer falta

Guilherme Ayupp disse...

Não coloque palavras na boca do mestre! Ele não está mais aqui para se defender de tamanha calúnia!

Maurício Motta... disse...

Parabéns pelo texto Guilherme, está muito bom
Armando Nogueira é o Pai do Jornalismo. Foi ele quem criou tudo que achamos que é o certo. Com certeza fará muita falta e deixa todos nós, jornalistas, órfãos de suas lindas palavras, crônicas e poesias.
Armando Nogueira é um nome que ficará marcado para sempre na História do Jornalismo e do Esporte brasileiro.
Vá com Deus Mestre Armando!